Provocar e ser provocado. Ir ao encontro das ruas e apresentar às ruas o Instituto Federal do Sertão Pernambucano. São vias de um mesmo caminho trilhado pelos participantes da I Semana de Humanidades e IV Semana da Consciência Negra do campus Ouricuri, eventos ocorridos em paralelo durante os dias 5 e 7 deste mês. Entre expedições e exposições, a impressão é de que a Semana valeu por uma vida inteira.
Que o diga a Exposição “Jorge Amado, questão racial e religiões no Brasil”. Constituída de trabalhos dos estudantes de Artes Visuais da Univasf e da turma de 2014 do curso Médio Integrado em Informática do campus Ouricuri, a mostra de instalações e fotografias atravessou os sentidos do público presente à sala. Perfumes de flores como aroeira, arruda, hortelã e malva se misturavam ao incenso, em um cheiro que aprofundava a experiência sinestésica e o significado de partilhar aquele espaço de exercício da tolerância religiosa.
Tudo surgiu a partir da leitura do romance “O sumiço da Santa”, de Jorge Amado, no contexto da disciplina Sociologia 3, ministrada pelo professor Juliano Varela. Em meio às discussões, o tema da religiosidade predominou e sua vertente sincrética deu o tom para a formulação dos trabalhos que seriam expostos no diálogo com os discentes da Univasf, pesquisadores da temática. A partir daí foi só afinar as concepções artísticas e erguer um monumento de culto ao respeito e à diversidade.
“No Brasil, vivemos numa miscigenação e todo mundo tem direito de expressar a sua fé, por isso é importante conhecer o mundo do outro, das pessoas que estão no nosso dia a dia. É importante para o conhecimento e a opinião, principalmente aqui no ambiente escolar”, destacou a copeira do campus Ouricuri, Lucia Alves de Souza. Como dezenas de visitantes que adentraram a sala da exposição, Lucia transformou alguns minutos de diálogo com as obras em um rico aprendizado sobre a pluralidade que constitui o mundo.
Entre as diversas instalações presentes, viu “As Santas” Yansã, com água benta, e Santa Bárbara, com fitas do Senhor do Bonfim, enrodilhadas do sincretismo proposto por Juliano, em laço fraterno com a obra “Unidas no mesmo altar todas só têm a ganhar”. Assinada por Alyson Renan e Rubstaine Alencar, a instalação trouxe um oratório com imagens de diferentes matrizes religiosas e da cultura popular em que conviviam, lado a lado, Buda, pretos velhos, santos católicos e carrancas. E, por falar em cultura popular, “Uns-Votos”, de Yane Andrade, fez alusão aos ex-votos (os votos realizados) com o intuito de chamar a atenção para dois transtornos psíquicos que podem se tornar os males do século 21: a ansiedade e a depressão.
“Para Nanã e Oxúm”, de João Pedro Rodrigues, estabeleceu uma relação íntima entre o barro e o bordado, na modelagem de uma forma orgânica e fluida, como o rio que tudo arrasta em suas viagens infinitas. Aproximações simbólicas com a natureza que marcam a própria identificação dos orixás, como se vê em cada folha presente na obra “Deuses da Natureza”, de Luiz Marcello, e em cada foto e objeto do “Estudo para composição ritual”, de Candice Machado.
Esculpidas em cerâmica ou em videoinstalação, não faltaram problematizações sobre dois tipos de opressão intrínseca à sociedade brasileira, o racismo e o machismo, que apareceram no aprisionamento feminino do “Chá Paleolítico”, de Débora Viana, e na desconstrução da relação demoníaca associada à Macumba, instrumento de percussão de origem africana que terminou por designar os cultos afro-brasileiros, presente na videoinstalação “Macudemo?”, de Luan Lino, com trilha sonora de Dorival Caymmi.
Sem dúvida alguma, assumir o lado do oprimido nas disputas étnicas, sociais e religiosas é romper o círculo de manipulação que Nádia Kleiam e Pâmela Melo personificaram na obra “Deuses e Santos: Bivitelinos”, ao apresentar o sincretismo como uma alternativa à imposição catequética. É ainda “Um ato de coragem”, título que Aline Viviane escolheu para provocar o público a descerrar um pano preto e mergulhar na multiplicidade de sentidos/palavras que une o Brasil ao continente africano. “A escuridão é o difícil acesso. É importante romper com o estereótipo para mostrar o valor das religiões e dos símbolos de resistência”, afirmou Aline.
A descoberta de Ouricuri a partir da fotografia e da intervenção urbana
“Fotografia de um lugar: Ouricuri” foi o título escolhido pelo fotógrafo do campus Ouricuri, Lídio Parente, para representar uma expedição fotográfica, realizada na manhã do dia 5 de dezembro, que redescobriu Ouricuri a partir do olhar de estudantes, servidores e participantes da comunidade. Depois de fazer um panorama histórico da fotografia, dos estilos, tendências e equipamentos de registro de imagens, Lídio expôs o resultado da Jornada na noite do dia 6, sob a mediação do professor Andrey Borges. “A ideia era que as pessoas fizessem uma leitura aberta da cidade e fotografassem o tema que mais lhe interessasse”, explicou Lídio.
Entre os temas escolhidos pelos participantes da Expedição, se destacaram a feira da cidade, o centro, as pessoas, os prédios abandonados, o Mercado de Carne, a diversidade de cores e as possibilidades poéticas do cotidiano ouricuriense. “Foi legal fazer as fotos. A fotografia traduz o que você quer ver e a Expedição fotográfica é um momento de colocarmos os nossos olhares sobre a cidade”, lembrou a militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Vani Souza. Ela retratou a feira a partir do elo que o alimento faz entre o campo e a cidade.
Outros elos foram construídos na feira da cidade. A partir das orientações dos professores Juliano Varela e Guilherme Albuquerque, os estudantes do campus Ouricuri, no mês do Natal, levaram uma árvore de material reciclado para despertar a atenção da cidade sobre a necessidade de repensar a produção e o descarte dos resíduos sólidos na contemporaneidade. Frutas descartadas na feira, água de esgoto, galho quebrado de uma árvore abandonada, garrafas em forma de bolinha de Natal e bonecas com tonalidade vermelho/sangue compuseram o resultado da oficina “Intervenção urbana: diálogos entre sociologia e arquitetura na compreensão da cidade”.
“A mensagem é passar para as pessoas que elas estão poluindo o meio ambiente e acabando com elas mesmas, porque a gente vai sofrendo junto com a natureza”, afirmou Jaqueline Oliveira, do curso de Edificações. A técnica em Enfermagem Edivânia da Conceição, que estava de passagem, aproveitou para opinar sobre a solução do desperdício de alimentos. “Eu acho que deveria ter um projeto de cozinha comunitária para reaproveitar o alimento desperdiçado na feira”, afirmou ela.
As soluções, opiniões e inquietações povoaram a intervenção urbana e proporcionaram um rico momento de diálogo do Instituto Federal do Sertão Pernambucano com as ruas de Ouricuri. Vias de um mesmo caminho que precisa ser cada vez mais trilhado e exercitado por aqueles que acreditam nas humanidades que pulsam em cada ser humano.